domingo, 10 de maio de 2015

Navio Negreiro- verso V

Fuga de escravos, óleo sobre tela por François Auguste Biard (1859)


Senhor Deus dos desgraçados! 
Dizei-me vós, Senhor Deus! 
Se é loucura... se é verdade 
Tanto horror perante os céus?! 
Ó mar, por que não apagas 
Co'a esponja de tuas vagas 
De teu manto este borrão?... 
Astros! noites! tempestades! 
Rolai das imensidades! 
Varrei os mares, tufão! 

Quem são estes desgraçados 
Que não encontram em vós 
Mais que o rir calmo da turba 
Que excita a fúria do algoz? 
Quem são? Se a estrela se cala, 
Se a vaga à pressa resvala 
Como um cúmplice fugaz, 
Perante a noite confusa... 
Dize-o tu, severa Musa, 
Musa libérrima, audaz!... 

São os filhos do deserto, 
Onde a terra esposa a luz. 
Onde vive em campo aberto 
A tribo dos homens nus... 
São os guerreiros ousados 
Que com os tigres mosqueados 
Combatem na solidão. 
Ontem simples, fortes, bravos. 
Hoje míseros escravos, 
Sem luz, sem ar, sem razão. . . 

São mulheres desgraçadas, 
Como Agar o foi também. 
Que sedentas, alquebradas, 
De longe... bem longe vêm... 
Trazendo com tíbios passos, 
Filhos e algemas nos braços,
N'alma — lágrimas e fel... 
Como Agar sofrendo tanto, 
Que nem o leite de pranto 
Têm que dar para Ismael. 

Lá nas areias infindas, 
Das palmeiras no país, 
Nasceram crianças lindas, 
Viveram moças gentis... 
Passa um dia a caravana, 
Quando a virgem na cabana 
Cisma da noite nos véus ... 
... Adeus, ó choça do monte, 
... Adeus, palmeiras da fonte!... 
... Adeus, amores... adeus!... 

Depois, o areal extenso... 
Depois, o oceano de pó. 
Depois no horizonte imenso 
Desertos... desertos só... 
E a fome, o cansaço, a sede... 
Ai! quanto infeliz que cede, 
E cai p'ra não mais s'erguer!... 
Vaga um lugar na cadeia, 
Mas o chacal sobre a areia 
Acha um corpo que roer. 

Ontem a Serra Leoa, 
A guerra, a caça ao leão, 
O sono dormido à toa 
Sob as tendas d'amplidão! 
Hoje... o porão negro, fundo, 
Infecto, apertado, imundo, 
Tendo a peste por jaguar... 
E o sono sempre cortado 
Pelo arranco de um finado, 
E o baque de um corpo ao mar...

Ontem plena liberdade, 
A vontade por poder... 
Hoje... cúm'lo de maldade, 
Nem são livres p'ra morrer. . 
Prende-os a mesma corrente 
— Férrea, lúgubre serpente — 
Nas roscas da escravidão. 
E assim zombando da morte, 
Dança a lúgubre coorte 
Ao som do açoute... Irrisão!... 

Senhor Deus dos desgraçados! 
Dizei-me vós, Senhor Deus, 
Se eu deliro... ou se é verdade 
Tanto horror perante os céus?!... 
Ó mar, por que não apagas 
Co'a esponja de tuas vagas 
Do teu manto este borrão? 
Astros! noites! tempestades! 
Rolai das imensidades! 
Varrei os mares, tufão! ... 

Castro Alves

Navio Negreiro- verso IV

Navio negreiro- tela de Johann Moritz Rugendas


Era um sonho dantesco... o tombadilho 
Que das luzernas avermelha o brilho. 
Em sangue a se banhar. 
Tinir de ferros... estalar de açoite... 
Legiões de homens negros como a noite, 
Horrendos a dançar... 

Negras mulheres, suspendendo às tetas 
Magras crianças, cujas bocas pretas 
Rega o sangue das mães: 
Outras moças, mas nuas e espantadas, 
No turbilhão de espectros arrastadas, 
Em ânsia e mágoa vãs! 

E ri-se a orquestra irônica, estridente... 
E da ronda fantástica a serpente 
Faz doudas espirais ... 
Se o velho arqueja, se no chão resvala, 
Ouvem-se gritos... o chicote estala. 
E voam mais e mais... 

Presa nos elos de uma só cadeia, 
A multidão faminta cambaleia, 
E chora e dança ali! 
Um de raiva delira, outro enlouquece, 
Outro, que martírios embrutece, 
Cantando, geme e ri!

No entanto o capitão manda a manobra, 
E após fitando o céu que se desdobra, 
Tão puro sobre o mar, 
Diz do fumo entre os densos nevoeiros: 
"Vibrai rijo o chicote, marinheiros! 
Fazei-os mais dançar!..." 

E ri-se a orquestra irônica, estridente. . . 
E da ronda fantástica a serpente 
 Faz doudas espirais... 
Qual um sonho dantesco as sombras voam!... 
Gritos, ais, maldições, preces ressoam! 
 E ri-se Satanás!... 

Castro Alves

sábado, 2 de maio de 2015

Algumas vezes


Às vezes as pessoas que amamos nos magoam, 
e nada podemos fazer senão continuar nossa jornada com nosso coração machucado.
Às vezes nos falta esperança. Às vezes o amor nos machuca profundamente,
 e vamos nos recuperando muito lentamente dessa ferida tão dolorosa.
Às vezes perdemos nossa fé, então descobrimos que precisamos acreditar,
 tanto quanto precisamos respirar…é nossa razão de existir.
Às vezes estamos sem rumo, mas alguém entra em nossa vida,
e se torna o nosso destino.
 Às vezes estamos no meio de centenas de pessoas, 
e a solidão aperta nosso coração pela falta de uma única pessoa.
Às vezes a dor nos faz chorar, nos faz sofrer, nos faz querer parar de viver, 
até que algo toque nosso coração, algo simples como a beleza de um pôr do sol, 
a magnitude de uma noite estrelada,
a simplicidade de uma brisa batendo em nosso rosto. 
É a força da natureza nos chamando para a vida. 
Você descobre que as pessoas que pareciam ser sinceras e receberam sua confiança, 
te traíram sem qualquer piedade. 
Você entende que o que para você era amizade,
para outros era apenas conveniência, oportunismo.
 Você descobre que algumas pessoas nunca disseram “eu te amo”,
 e por isso nunca fizeram amor, apenas transaram…
 Descobre também que outras disseram “eu te amo” uma única vez.
          E agora temem dizer novamente, e com razão,
 mas se o seu sentimento for sincero poderá ajudá-las a reconstruir um coração quebrado.
Assim ao conhecer alguém, preste atenção no caminho que essa pessoa percorreu,
são fatores importantes: a relação com a família,
as condições econômicas nas quais se desenvolveu.
(dificuldades extremas ou facilidades excessivas formam um caráter),
 os relacionamentos anteriores e as razões do rompimento,
 seus sonhos, ideais e objetivos. Não deixe de acreditar no amor.
 Mas certifique-se de estar entregando seu coração para alguém
que dê valor aos mesmos sentimentos que você dá.
Manifeste suas ideias e planos, para saber se vocês combinam. 
E certifique-se de que quando estão juntos,
 aquele abraço vale mais que qualquer palavra.
 Esteja aberto a algumas alterações, mas jamais abra mão de tudo,
 pois se essa pessoa te deixar, então nada irá lhe restar.
Tenha sempre em mente que às vezes tentar salvar um relacionamento,
 manter um grande amor, pode ter um preço muito alto
se esse sentimento não for recíproco. 
Pois em algum outro momento essa pessoa irá te deixar
e seu sofrimento será ainda mais intenso, do que teria sido no passado.
 Pode ser difícil fazer algumas escolhas, mas muitas vezes isso é necessário.
 Existe uma diferença muito grande entre conhecer o caminho e percorrê-lo.
 A tristeza pode ser intensa, mas jamais será eterna. 
A felicidade pode demorar a chegar,
 mas o importante é que ela venha para ficar e não esteja apenas de passagem…



Luis Fernando Veríssimo

sexta-feira, 1 de maio de 2015

Deixe a raiva secar!

Gostaria de compartilhar esta linda e simples história, me faz refletir muitas vezes antes de explodir com alguma coisa. 


Mariana ficou toda feliz porque ganhou de presente um joguinho de chá, todo azulzinho, com bolinhas amarelas. No dia seguinte, Júlia sua amiguinha, veio bem cedo convidá-la para brincar. 
Mariana não podia porque ia sair com sua mãe naquela manhã. Júlia, então, pediu a coleguinha que lhe emprestasse o seu conjuntinho de chá para que ela pudesse brincar sozinha na garagem do prédio. 
Mariana não queria emprestar, mas, com a insistência da amiga, resolveu ceder, fazendo questão de demonstrar todo o seu ciúme pôr aquele brinquedo tão especial. 

Ao regressar do passeio, Mariana ficou chocada ao ver o seu conjuntinho de chá jogado no chão. Faltavam algumas xícaras e a bandejinha estava toda quebrada. Chorando e muito nervosa, Mariana desabafou: - Está vendo, mamãe, o que a Júlia fez comigo? Emprestei o meu brinquedo, ela estragou tudo e ainda deixou jogado no chão.
Totalmente descontrolada, Mariana queria, porque queria, ir ao apartamento de Júlia pedir explicações. Mas a mãe, com muito carinho, ponderou:

- Filhinha, lembra daquele dia quando você saiu com seu vestido novo todo branquinho e um carro, passando, jogou lama em sua roupa? Ao chegar a sua casa você queria lavar imediatamente aquela sujeira, mas a vovó não deixou. Você lembra do que a vovó falou? Ela falou que era para deixar o barro secar primeiro, depois ficava mais fácil limpar. Pois é, minha filha! Com a raiva é a mesma coisa. Deixa a raiva secar primeiro, depois fica bem mais fácil resolver tudo.

Mariana não entendeu muito bem, mas resolveu ir para a sala ver televisão. Logo depois alguém tocou a campainha. Era Júlia, toda sem graça, com um embrulho na mão. Sem que houvesse tempo para qualquer pergunta, ela foi falando: 

- Mariana, sabe aquele menino mau da outra rua que fica correndo atrás da gente? Ele veio querendo brincar comigo e eu não deixei. Aí ele ficou bravo e estragou o brinquedo que você havia me emprestado. Quando eu contei para a mamãe ela ficou preocupada e foi correndo comprar outro brinquedo igualzinho para você. Espero que você não fique com raiva de mim. Não foi minha culpa. 

- Não tem problema, disse Mariana, minha raiva já secou.

E, tomando a sua coleguinha pela mão, levou-a para o quarto para contar história do vestido novo que havia sujado de barro.

Auto desconhecido