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domingo, 25 de agosto de 2013

Ode ao gato





Os animais foram imperfeitos, 
Os animais foram imperfeitos, 
compridos de rabo, tristes de cabeça. 
Pouco a pouco se foram compondo, 
fazendo-se paisagem, 
adquirindo pintas, graça, vôo. 
O gato, 
só o gato 
apareceu completo 
e orgulhoso: 
nasceu completamente terminado, 
anda sozinho e sabe o que quer.

O homem quer ser peixe e pássaro 
a serpente quisera ter asas, 
o cachorro é um leão desorientado, 
o engenheiro quer ser poeta, 
a mosca estuda para andorinha, 
o poeta trata de imitar a mosca, 
mas o gato 
quer ser só gato 
e todo gato é gato 
do bigode ao rabo, 
do pressentimento à ratazana 
viva, 
da noite até os seus olhos de ouro. 
Não há unidade como ele, 
não tem a lua nem a flor 
tal contextura: 
é uma coisa só 
como o sol ou o topázio, 
e a elástica linha em seu contorno 
firme e sutil é como 
a linha da proa de uma nave. 
Os seus olhos amarelos 
deixaram uma só ranhura 
para jogara as moedas da noite 
Oh pequeno imperador sem orbe, 
conquistador sem pátria 
mínimo tigre de salão, nupcial 
sultão do céu 
das telhas eróticas, 
o vento do amor 
na intempérie 
reclamas 
quando passas 
e pousas 
quatro pés delicados 
no solo, 
cheirando, 
desconfiando 
de todo o terrestre, 
porque tudo 
é imundo 
para o imaculado pé do gato. 
Oh fera independente 
da casa, arrogante 
vestígio da noite, 
preguiçoso, ginástico 
e alheio, 
profundíssimo gato, 
polícia secreta 
dos quartos, 
insígnia 
de um 
desaparecido veludo, 
certamente não há 
enigma 
na tua maneira, 
talvez não sejas mistério, 
todo o mundo sabe de ti e 
pertence 
ao habitante menos misterioso, 
talvez todos acreditem, 
todos se acreditem donos, 
proprietários, tios 
de gatos, companheiros, 
colegas, 
discípulos ou amigos 
do seu gato. 
Eu não. 
Eu não subscrevo. 
Eu não conheço o gato. 
Tudo sei, a vida e seu arquipélago, 
o mar e a cidade incalculável, 
a botânica, 
o gineceu com os seus extravios, 
o pôr e o menos da matemática,

os funis vulcânicos do mundo, 
a casaca irreal do crocodilo, 
a bondade ignorada do bombeiro, 
o atavismo azul do sacerdote, 
mas não posso decifrar um gato. 
Minha razão resvalou na sua indiferença, 
os seus olhos tem números de ouro.

Pablo Neruda 

domingo, 29 de maio de 2011

El viento en la isla





El viento es un caballo 
óyelo como corre 
por el mar, por el cielo.

Quiere llevarme: escucha 
como recorre el mundo 
para llevarme lejos.


Escóndeme en tus brazos 
por esta noche sola, 
mientras la lluvia rompe 
contra el mar y la tierra 
su boca innumerable.


Escucha como el viento 
me llama galopando 
para llevarme lejos.


Con tu frente en mi frente, 
com tu boca em mi boca, 
atados nuestros cuerpos 
al amor que nos quema, 
deja que el viento pase 
sin que pueda llevarme.


Deja que el viento corra 
coronado de espuma, 
que me llame y me busque 
galopando en la sombra, 
mientras yo, sumergido 
bajo tus grandes ojos, 
por esta noche sola 
descansaré, amor mío.

Pablo Neruda

quinta-feira, 17 de março de 2011

Se cada dia...


Se cada dia cai, dentro de cada noite,
há um poço
onde a claridade está presa.

há que sentar-se na beira
do poço da sombra
e pescar luz caída
com paciência.

Pablo Neruda (Últimos Poemas)

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Quero apenas cinco coisas...



Quero apenas cinco coisas.. 
Primeiro é o amor sem fim 
A segunda é ver o outono 
A terceira é o grave inverno 
Em quarto lugar o verão 
A quinta coisa são teus olhos 
Não quero dormir sem teus olhos. 
Não quero ser... sem que me olhes. 
Abro mão da primavera para que continues me olhando.


Pablo Neruda

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Saudade




Saudade é solidão acompanhada, 
é quando o amor ainda não foi embora, 
mas o amado já... 

Saudade é amar um passado que ainda não passou, 
é recusar um presente que nos machuca, 
é não ver o futuro que nos convida...

Saudade é sentir que existe o que não existe mais... 

Saudade é o inferno dos que perderam, 
é a dor dos que ficaram para trás, 
é o gosto de morte na boca dos que continuam... 

Só uma pessoa no mundo deseja sentir saudade: 
aquela que nunca amou. 

E esse é o maior dos sofrimentos: 
não ter por quem sentir saudades, 
passar pela vida e não viver. 

O maior dos sofrimentos é nunca ter sofrido.

Pablo Neruda