Mostrando postagens com marcador Vinícius de Moraes. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Vinícius de Moraes. Mostrar todas as postagens

quinta-feira, 6 de agosto de 2015

A Rosa de Hiroshima




Pensem nas crianças
Mudas telepáticas
Pensem nas meninas
Cegas inexatas
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas
Mas oh não se esqueçam
Da rosa da rosa
Da rosa de Hiroxima
A rosa hereditária
A rosa radioativa
Estúpida e inválida
A rosa com cirrose
A antirrosa atômica
Sem cor sem perfume
Sem rosa sem nada.


Vinícius de Moraes
Rio de Janeiro , 1954

domingo, 2 de novembro de 2014

O VELHO E A FLOR


Por céus e mares eu andei,
Vi um poeta e vi um rei
Na esperança de saber
O que é o amor.

Ninguém sabia me dizer,
Eu já queria até morrer
Quando um velhinho
Com uma flor assim falou:

O amor é o carinho,
É o espinho que não se vê em cada flor.
É a vida quando
Chega sangrando aberta 
em pétalas de amor.

Vinicius de Moraes

sexta-feira, 5 de julho de 2013

A impossível partida




Como poder-te penetrar, ó noite erma, se os meus olhos cegaram nas luzes da cidade 
E se o sangue que corre no meu corpo ficou branco ao contato da carne indesejada? 
Como poder viver misteriosamente os teus recônditos sentidos 
Se os meus sentidos foram murchando como vão murchando as rosas colhidas 
E se a minha inquietação iria temer a tua eloqüência silenciosa?… 
Eu sonhei!... Sonhei cidades desaparecidas nos desertos pálidos 
Sonhei civilizações mortas na contemplação imutável 
Os rios mortos... as sombras mortas... as vozes mortas... 
…o homem parado, envolto em branco sobre a areia branca e a quietude na face... 
Como poder rasgar, noite, o véu constelado do teu mistério 
Se a minha tez é branca e se no meu coração não mais existem os nervos calmos 
Que sustentavam os braços dos Incas horas inteiras no êxtase da tua visão?... 
Eu sonhei!... Sonhei mundos passando como pássaros 
Luzes voando ao vento como folhas 
Nuvens como vagas afogando luas adolescentes... 
Sons… o último suspiro dos condenados vagando em busca de vida... 
O frêmito lúgubre dos corpos penados girando no espaço... 
Imagens... a cor verde dos perfumes se desmanchando na essência das coisas... 
As virgens das auroras dançando suspensas nas gazes da bruma 
Soprando de manso na boca vermelha dos astros... 
Como poder abrir no teu seio, oh noite erma, o pórtico sagrado do Grande Templo 
Se eu estou preso ao passado como a criança ao colo materno 
E se é preciso adormecer na lembrança boa antes que as mãos desconhecidas me arrebatem?... 

Rio de Janeiro, 1935 

Vinícius de Moraes

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Soneto do Amor Total







Amo-te tanto, meu amor ... não cante
O humano coração com mais verdade ...
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade.

Amo-te afim, de um calmo amor prestante
E te amo além, presente na saudade.
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.

Amo-te como um bicho, simplesmente
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente.

E de te amar assim, muito e amiúde
É que um dia em teu corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude.




Vinícius de Moraes

sexta-feira, 29 de julho de 2011

Saudades, saudades, saudades




Tomara 
Que a tristeza te convença 
Que a saudade não compensa
E que a ausência não dá paz
E o verdadeiro amor de quem se ama
Tece a mesma antiga trama
Que não se desfaz


E a coisa mais divina
Que há no mundo

É viver cada segundo
Como nunca mais...
"Como Eu Quero Viver com Você....
o Verdadeiro Amor..que Não Se Desfaz .....!
Vinícius de Moraes

terça-feira, 12 de abril de 2011

Ternura





Eu te peço perdão por te amar de repente
Embora o meu amor
seja uma velha canção nos teus ouvidos
Das horas que passei à sombra dos teus gestos
Bebendo em tua boca o perfume dos sorrisos
Das noites que vivi acalentando
Pela graça indizível
dos teus passos eternamente fugindo
Trago a doçura
dos que aceitam melancolicamente.
E posso te dizer
que o grande afeto que te deixo
Não traz o exaspero das lágrimas
nem a fascinação das promessas
Nem as misteriosas palavras
dos véus da alma...
É um sossego, uma unção,
um transbordamento de carícias
E só te pede que te repouses quieta,
muito quieta
E deixes que as mãos cálidas da noite
encontrem sem fatalidade
o olhar estático da aurora.


Vinícius de Moraes

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Pela luz dos olhos teus



Quando a luz dos olhos meus
E a luz dos olhos teus
Resolvem se encontrar
Ai que bom que isso é meu Deus
Que frio que me dá o encontro desse olhar
Mas se a luz dos olhos teus
Resiste aos olhos meus só p'ra me provocar
Meu amor, juro por Deus me sinto incendiar
Meu amor, juro por Deus
Que a luz dos olhos meus já não pode esperar
Quero a luz dos olhos meus
Na luz dos olhos teus sem mais lará-lará
Pela luz dos olhos teus
Eu acho meu amor que só se pode achar
Que a luz dos olhos meus precisa se casar.


Vinícius de Moraes

sábado, 22 de janeiro de 2011

Eu não existo sem você


Eu sei e você sabe, já que a vida quis assim
Que nada nesse mundo levará você de mim
Eu sei e você sabe que a distância não existe
Que todo grande amor
Só é bem grande se for triste
Por isso, meu amor
Não tenha medo de sofrer
Que todos os caminhos
Me encaminham pra você

Assim como o oceano
Só é belo com luar
Assim como a canção
Só tem razão se se cantar
Assim como uma nuvem
Só acontece se chover
Assim como o poeta
Só é grande se sofrer
Assim como viver
Sem ter amor não é viver
Não há você sem mim
Eu não existo sem você


Vinícius de Moraes

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Soneto da separação




De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.
De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.

De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.

Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.


Vinícius de Moraes

sábado, 11 de dezembro de 2010

Ausência





Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces.
Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto.
No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida
E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz.
Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado.
Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados
Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada.
Que ficou sobre a minha carne como nódoa do passado.
Eu deixarei... tu irás e encostarás a tua face em outra face.
Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada.
Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu, porque eu fui o grande íntimo da noite.
Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa.
Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço.
E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado.
Eu ficarei só como os veleiros nos pontos silenciosos.
Mas eu te possuirei como ninguém porque poderei partir.
E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas.
Serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz serenizada

Vinícius de Moraes

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Soneto de Fidelidade

De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.

Vinicius de Moraes